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NOVAS FRONTEIRAS PARA A EDUCACAO NO SECULO 21
Testes tradicionais deixam de avaliar habilidades essenciais, diz Nobel de
Economia
Antonio Gors
antonio.gois@oglobo.com.br
O que explica o bom desempenho de um aluno na escola? E por que algumas crianças
de um mesmo grupo social, no futuro, se tornam adultos bem-sucedidos, enquanto
outras não? Essas são perguntas sem respostas simples ou consensuais. Uma das
explicações possíveis está no papel da inteligência: jovens com maior capacidade
cognitiva aprendem melhor e, dessa maneira, vão tirar as maiores notas em
testes, passar no vestibular, estudar numa boa faculdade e conseguir melhores
empregos. As boas escolas, seguindo essa linha de raciocinio, seriam aquelas que
preparam seus estudantes para esses desafios. Como consequência, sâo também as
mais bem colocadas em rankings elaborados a partir de avaliações como o Enem.
A visão acima, no entanto, é bastante criticada por educadores que defendem que
o papel da escola é muito mais amplo doque apenas ensinar as disciplinas
tradicionais. Oproblema, como argumenta em recente estudo o economista da
Universidade de Chicago James Heckman, ganhador do prêmio Nobel em 2000, é que
os instrumentos que hoje utilizamos para avaliar a qualidade do ensin0 medem
justamente apenas essa dimensão: o desempenho em testes de leitura, matemática e
outras disciplinas. Para Heckman, esses exames não conseguem medir habilidades
que estudos acadêmicos têm provado que são tão ou mais importantes para explicar
o sucesso na vida adulta quanto a nota em testes.
São, principalmente, traços da personalidade, como a capacidade de persistir na
busca de objetivos, superando fracassos e obstáculos; saber se relacionar e
trabalhar bem em grupo; ter responsabilidade e saber se organizar para concluir
tarefas; além de ter controle das próprias emoções, de modo a manter o otimismo,
a calma, a confiança e a motivação, mesmo em situações adversas.
A constatação de que esses traços de personalidade são importantes näo chega a
ser surpreendente. O que há de novo nos debates educacionais é que essas
habilidades, que muitos acreditavam ser inatas, podem ser ensinadas e avaliadas
em sala de aula. A grande questão, para a qual ainda não há consenso, é como
fazer isso.
Um dos projetos mais bem-sucedidos nesse sentido foi bastante estudado pela
equipe de Heckman. Foi o projeto pré-escolar Perry, implementado na década de 60
no estado americano de Michigan. Destinado a crianças de baixa renda de 3 a 5
anos, o programa oferecia, além de um atendimento escolar de qualidade, suporte
para que os pais soubessem como interagir melhor com seus filhos, de modo a
desenvolver outras habilidades nas crianças.
Os primeiros resultados do programa foram decepcionantes. Aos 10 anos de idade,
testes de QI indicavam que as crianças que haviam participado do projeto e as
que não tiveram essa oportunidade apresentavam desenvolvimento cognitivo
praticamente igual. Como os alunos continuaram sendo acompanhados ao longo da
vida adulta, os pesquisadores descobriram mais tarde que, mesmo nao tendo notas
melhores em testes tradicionais, jovens e adultos que participaram da
experiëncia apresentavam maiores percentuais de conclusão no ensino superior e
menores taxas de desemprego, gravidez precoce e envolvimento em crimes.
SEMINÁRIO DEBATE O TEMA EM SP
Heckmane outros pesquisadores de ponta, além de gestores e ministros da Educação
de 14 países, estão hoje em São Paulo debatendo o desenvolvimento dessas
habilidades no seminário "Educar para as competèncias do século 21, organizado
pela Instituto Ayrton Senna, MEC e OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico).
No encontro, será divulgada uma pesquisa feita com alunos da rede estadual do
Rio, que mostra que osjovens que apresentavam algumas dessas características
têm, em média, notas melhores em português e matemática. Mais importante do que
isso, o estudo revela que, ao contrårio do desempenho medido em testes de
disciplinas tradicionais, essas habilidades socioemocionais são pouco afetadas
pelo nível de pobreza e escolaridade das famílias.
No caso do aprendizado formal medido em testes de português, matemática e outras
disciplinas tradicionais,desde a década de 60, quando o sociólogo
norte-americano James Coleman publicou um famoso relatório sobre os
determinantes do desempenho escolar, vários estudos tem comprovado que o baixo
nivel de renda e escolaridade dos pais afeta negativamente o desempenho dos
filhos na escola. Um pai ou uma māe que não completou o ensino fundamental, por
exemplo, tem mais dificuldade para ajudar os filhos em lições escolares, por
exemplo.
No caso das competëncias socioemocionais, o estudo que será apresentado hoje
indica que há um caminho a trabalhar com essas crianças e pais de baixa renda
para que elas, desenvolvendo essas habilidades, consigam melhores notas na
escola, sem contar os ganhos que surgirão no futuro, na vida adulta, como
demonstram os estudos sobre o tema.
Apesar do entusiasmo de diversos educadores, pesquisadores e gestores com o
tema, até o momento, as experiências que se mostraram bem-sucedidas no
desenvolvimento dessas habilidades pelas escolas foram implementadas empequena
escala, com professores talentosos ou muito bem orientados por especialistas,
como o caso do projeto pré-escolar Perry. Ainda não há programa implementado em
massa que ja tenha passado por avaliação rigorosa e provado que pode funcionar
em várias escolas, com
diferentes realidades.
No Brasil, um dos projetos pilotos que buscam ajudar escolas a desenvolver essas
habilidades nas crianças acontece no Colégio Estadual Chico Anysio, na Tijuca.
Ainda não há avaliação sobre o impacto específico do programa, mas o secretário
estadual de Educação, Wilson Risolia, destaca que o colégio tem apresentado Ideb
(indicador oficial da qualidade do ensino) superior à média da rede.
Risolia lembra, no entanto, um detalhe importante da escola: ela funciona em
tempo integral, realidade de apenas 4% dos estabelecimentos de ensino médio do
país (no nível fundamental, são 129%). A carga horária da imensa maioria das
escolas brasileiras, portanto, é de apenas quatro horas diárias. "Se tenho 13
matérias para serem ensinadas em quatro horas, como posso trabalhar projetos de
vida nesse contexto, indaga o secretário.
No Rio, Risolia afirma que o modelo de trabaIho das habilidades socioemocionais
no colégio Chico Anysio será expandido gradativamente, para cinco escolas neste
ano, e 50 no ano que vem Ao mesmo tempo, a meta do Estado é universalizar até
2022 as escolas em tempo integral. Para ele, no entanto, é preciso que haja uma
diretriz nacional para transformar o ensino dessas habilidades socioemocionais
numa política de estado. Sem isso, afirma, o investimento ficará sempre sujeito
à mudanças na gestão da educação pública em cada cidade ou estado.
Programas precisam ser expandidos
Paul Tough
Evidências que mostram a importancia de se trabalhar outras competências em sala
de aula são o tema do livro que serå lançado amanhà no Brasil pelo jornalista
americano
Os projetos bem-sucedidos, até o momento, funcionaram em pequena escala. E
possivel ter uma politica pública aplicável a várias escolas ao mesmo tempo, com
realidades distintas?
De fato, ainda não tenho conhecimento de projetos já avaliados que ensinam
habilidades nao cognitivas em grande escala. Os pesquisadores que citei em meu
livro (Uma questão de caráter) concordam que os projetos ainda estão em estágio
inicial de entender como essas habilidades são desenvolvidas pelas crianças. Há
experiências promissoras, como o projeto OneGoal [baseado em Chicago, com o
objetivo de aumentar as taxas de conclusão de jovens de baixa renda no ensino
superior), mas elas
ainda não foram devidamente avaliadas. O que me parece sólido é que temos
evidências de que essas habilidades são mais bem trabalhadas desde cedo, em
projetos destinados à primeira infäncia, com uma preocupação importante de
ajudar os pais a cuidarem melhor de seus filhos, de modo a diminuir o estre esse
nos primeiros anos de vida, que tem se mostrado danoso ao desenvolvimento de
habilidades como o controle das emoçoes.
Esses programas precisam ser expandidos. Mas o fato é que ainda estamos
aprendendo como sistematizar e replicar essas experiências bem-sucedidas.
Em escolas que jå näo trabaIham bem com as competências tradicionais, qual o
sentido de incluir uma nova tarefa?
Ensinar matemática, leitura, ou outras disciplinas tradicionais é certamente um
objetivo fundamental da escola, e há muito o que podemos fazer para melhorar o
aprendizado nessas áreas. Mas, se avançarmos na maneira como ensinamos
habilidades não cognitivas melhorando a habilidade dos estudantes para persistir
em taretas difíceis, controlar seus impulsos, focar na resolução de um problema
sem perder o foco ou ficar frustrado, superar obstáculos estaremos facilitando,
e não dificultando, que esses estudantes tenham melhor desempenho em disciplinas
tradicionais como matemática ou leitura.